O advogado e
professor Pedro Estevam Serrano denuncia: "A grande mídia tem sido
beneficiada por um afrouxamento de seus limites. Já a mídia alternativa é
reprimida, inclusive com o apoio da grande mídia." O articulista afirma
que tem aumentado a desigualdade de direitos entre veículos tradicionais e
plataformas menores. E enumera casos de processos recentes movidos contra sites
e blogs que incomodam os poderosos da Comunicação. "Essa aplicação
desigual do direito à liberdade de expressão é muito grave, ainda mais quando
prejudica justamente agentes de formação de opinião que oferecem um contraponto
no debate público, uma gama mais plural de informação." Leia o artigo:
A MÍDIA ALTERNATIVA E A LIBERDADE
DE EXPRESSÃO, POR PEDRO ESTEVAM SERRANO (EM CARTA CAPITAL)
Por: Pedro Estevam Serrano
Discutir as
relações entre mídia e liberdade de expressão se faz cada vez mais necessário
no Brasil, na medida que a desigualdade de direitos entre veículos tradicionais
e plataformas menores se acentua. No caso da dita grande imprensa, esse direito
é bastante dilatado, ao ponto de ser quase impossível alguém, que se julgue
ofendido por algo que ela tenha veiculado, sair vitorioso em um pleito
judicial.
É reiterada
na nossa jurisprudência a dificuldade de se obter uma condenação de um grande
órgão de imprensa. Em geral, as ações de defesa da honra acabam não progredindo
ou sendo julgadas improcedentes e é nítida a percepção de que os tribunais têm
protegido a liberdade de expressão da mídia comercial, desidratando eventuais
limitações desse direito.
De fato há
uma tendência mundial de desidratação dos limites da lei de expressão e a favor
da total liberdade de imprensa, o que é muito positivo. No entanto, no Brasil,
ao contrário do que ocorre em outros lugares do mundo, isso é feito em favor de
uma minoria, e não em prol da cidadania, o que gera distorções com
consequências perversas para a democracia.
Enquanto a
grande mídia tem sido beneficiada por um afrouxamento cada vez maior de seus
limites, sites blogs e aqueles que escrevem para a chamada mídia alternativa
têm sido reprimidos, inclusive com o apoio da grande mídia.
É crescente
o número de ações contra eles, o que, inclusive os tem inviabilizado
financeiramente.
Um caso
emblemático dessa situação é o do blog Falha de S. Paulo. Em 2010, o jornal
Folha de S. Paulo, por meio de uma liminar, conseguiu que a página que
satirizava suas publicações fosse retirada do ar, sob pena de pagar multa
diária de R$ 10 mil, caso o mantivesse.
A alegação
foi de "uso indevido da marca", o que não se justifica, uma vez que a
intenção dos criadores do blog não era se apropriar da marca, mas apenas
exercer sua liberdade de expressão por meio de sátiras, como, aliás, se vê em
abundância em veículos da grande mídia.
Mais
recentemente, portais como o Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique
Amorim, Revista Fórum, editado pelo Renato Rovai, Blog da Cidadania, de Eduardo
Guimarães, O Cafezinho, de Miguel do Rosário, Viomundo, de Luiz Carlos Azenha,
Luis Nassif entre outros, foram processados, por pessoas e veículos ligados à
grande mídia.
Essa
aplicação desigual do direito à liberdade de expressão é muito grave, ainda
mais quando prejudica justamente agentes de formação de opinião que oferecem um
contraponto no debate público, uma gama mais plural de informação e que
representam um ponto de vista político que está presente na sociedade, mas que
não tem espaço na mídia comercial.
Os blogs e
blogueiros "sujos" têm o importante papel de representar um mínimo de
pluralidade de opinião na democracia brasileira e estão sendo claramente
reprimidos.
Isso é
reflexo de um problema maior, que é a não universalização dos direitos humanos
e fundamentais no Brasil. O direito à vida e à integridade física, por exemplo,
como tenho reafirmado em vários outros textos, são persistentemente suspensos
para as parcelas mais pobres da população, que habitam as periferias dominadas
pela violência generalizada.
Vejamos
outro exemplo. É curioso lembrar que até bem pouco tempo eram transmitidos ao
vivo pela TV aberta bailes de carnaval frequentados pela elite carioca, cujo
carro chefe da festa era a erotização excessiva de seus foliões. Homens e
principalmente mulheres seminuas, em suas diminutas fantasias, eram
glamourizados e davam entrevistas aos repórteres ou apresentadores que
"cobriam" esses eventos.
Hoje os
bailes funks das periferias são reprimidos por manifestações bastante
semelhantes e, muitas vezes, viram caso de polícia. Isso demonstra que as
expressões culturais de natureza erótica protagonizadas pela elite são
amparadas pelo direito como livre expressão artística e cultural, enquanto
aquelas manifestadas pela pobreza são coibidas.
Seja no
aspecto social ou político, não há universalização do direito à livre expressão
no Brasil. Ele é apropriado ou pela elite das comunicações ou pela elite
econômica, que exercem censura e coação sobre a liberdade de expressão alheia.
O
cerceamento e a persecução às mídias alternativas, onde expressões mais à
esquerda encontram circulação, são ainda uma repressão de natureza política e
um dos sinais mais perversos da relação promíscua que há entre mídia e
jurisdição no Brasil.
É onde essa
relação acaba servindo para reprimir o próprio direito de imprensa e o direito
à expressão, em favor de que seja exercido por uma minoria detentora dos
grandes meios.
Nossa
democracia tem muito a se desenvolver, o que só será possível com a ampliação e
a universalização de diretos, sobretudo o de livre pensamento e expressão.
Suprimir os direitos dos mais frágeis é minimizar a aplicação do Estado de
direito e atrasar a construção de uma cidadania verdadeiramente consistente.
* Pedro Estevam Serrano é
advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e pós-doutorado pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
(***) FONTE: Conexão
Jornalismo
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