A pergunta
está no título de um artigo escrito por José Carlos de Assis, economista da
Coppe-RJ, em que ele questiona:
"O
Correio Braziliense publicou uma reportagem na qual supostos especialistas em
petróleo sustentam com base em dados e conceitos totalmente equivocados a tese
de que a Petrobras, 'se não tivesse o Governo por trás', estaria falida ou
teria de ser vendida. (...) É um insulto à inteligência do povo brasileiro, que
não pode se deixar manipular pelos oportunistas, internos e externos, que
querem assaltá-la, assim como às reservas de petróleo do Brasil, cobiçadas
mundialmente."
Veja a
análise aprofundada que o articulista faz da atual situação da empresa e outros
questionamentos sobre a atuação de quem torce contra a Petrobras:
IGNORÂNCIA OU MÁ-FÉ NA AVALIAÇÃO
DA PETROBRÁS?
J. Carlos de
Assis, com Paulo César Lima e Fernando Siqueira (publicado no GGN)
O
"Correio Braziliense" publicou no último 14 de outubro uma reportagem
na qual supostos especialistas em petróleo - Demetrius Borel Lucindo, da DMBL,
e Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura - sustentam com base em
dados e conceitos totalmente equivocados a tese de que a Petrobrás, "se
não tivesse o Governo por trás", estaria falida ou teria de ser vendida.
Não fosse a situação caótica por que passa o país, no qual prolifera o
besteirol técnico com propósito de manipulação política, a reportagem seria
irrelevante.
Contudo, os
leitores do "Correio" merecem saber que não há absolutamente nada na
reportagem que reflita a realidade da Petrobrás. Desde o título - Dívida da
Petrobrás passa de meio trilhão de reais - até a aritmética que compara essa
dívida à geração de caixa, tudo não passa de ilações grosseiras com números
manipulados ou ignorados. É verdade que a Petrobrás tem uma dívida elevada - R$
324 bilhões de dívida líquida no primeiro semestre, segundo dados oficiais -, o
que é perfeitamente compatível com a geração de caixa.
A receita
líquida (EBITDA ajustado) no mesmo semestre foi de R$ 41 bilhões. Admitindo-se
que se tenha o mesmo resultado operacional no segundo semestre, chega-se a um
valor anual de R$ 82 bilhões. Em consequência, caso a Petrobrás suspendesse
seus investimentos - algo que não deve fazer de forma alguma -, ela teria
capacidade de pagar sua dívida em cerca de quatro anos. Será essa a empresa que
os "especialistas" Lucindo e Pires querem quebrar, talvez pretendendo
entregá-la aos grandes abutres internacionais?
Em relação à
dívida, contudo, o mais importante nem é o potencial de pagamento a curto prazo
- na medida em que a empresa tem fontes de financiamento disponíveis a prazos
muito mais longos, inclusive na China -, mas a contrapartida dela, ou seja, o
gigantesco ativo criado com os empréstimos tomados. Foi graças em grande parte
à dívida que a Petrobrás descobriu e está desenvolvendo as reservas
petrolíferas do pré-sal. E o montante recuperável dessas reservas coloca a
Petrobrás na vanguarda da produção petrolífera no mundo.
De fato, a
empresa detém 65% das reservas provadas de cerca de 10 bilhões de barris do
campo Tupi, 100% de 10 bilhões de reservas de Búzios (cessão onerosa), 100% de
6 bilhões de barris de Carcará (também cessão onerosa), 40% de 15 bilhões de
reservas de Libra, 60% das reservas de 4 bilhões de barris de Iara, 60% de 2
bilhões de barris de Sapinhoá, 70% de 6 bilhões de barris de reservas na área
das Baleias no Espírito Santo. Assim, considerando outros campos menores, as
reservas da empresa se elevam, conservadoramente, a 48 bilhões de barris.
O que
significa, em dinheiro, 48 bilhões de barris de petróleo retirados de reservas
brutas com um fator de recuperação de 35% - que é conservador, dado que a
Petrobrás já opera com um fator de recuperação acima disso no pré-sal? Com o
barril do petróleo a 50 dólares, dado que ninguém prevê um preço abaixo disso
no futuro, são 2 trilhões e 400 bilhões de dólares, algo que, comparado à
dívida da Petrobrás, a coloca numa situação patrimonial invejável, e
perfeitamente administrável do ponto de vista operacional e de solvência.
Os
investimentos da Petrobrás, parte por geração de recursos próprios, parte por
empréstimos, fizeram com que suas reservas de petróleo - dela e não da União -
ultrapassassem, em muito, as reservas de importantes petrolíferas mundiais como
Shell, Exxon Mobil e BP. O indicador mais relevante para as empresas
petrolíferas é justamente a relação entre a dívida e as reservas de petróleo.
Atualmente, apenas a Exxon Mobil apresenta uma relação entre dívida e reserva
menor do que a Petrobrás. Isso demonstra o equívoco da análise apresentada no
artigo quando considera apenas o valor absoluto da dívida.
É importante
assinalar que o verdadeiro valor referente ao volume recuperável de reservas da
Petrobrás de, pelo menos, 48 bilhões de barris não está lançado nos registros
contábeis da empresa. Dessa forma, o patrimônio líquido está subavaliado. Estão
lançados apenas os custos de exploração e produção desse volume, que são muito
baixos em relação ao valor real do ativo. Além disso, é óbvio que esse grande
volume a ser produzido fará com que a geração de caixa da empresa seja maior
que os R$ 353 bilhões estimados no próprio artigo.
Considere-se
ainda que mesmo esse baixo valor de R$ 353 bilhões é muito maior que o valor
dos financiamentos que vão vencer até 2018, da ordem de R$ 160 bilhões. A
conclusão dos dois "especialistas" deveria, portanto, ser outra: a
Petrobrás tem, sim, geração de caixa suficiente para pagar suas dívidas, e até
fazer outras. Outro equívoco do artigo é mencionar que os custos
administrativos, como a folha de pagamentos, não estão considerados no valor de
R$ 355 bilhões. Isso é um erro grosseiro dos "especialistas", já que
tais custos são considerados no cálculo da receita (EBITDA).
Também não é
verdade que o custo de captação da Petrobrás está em 13% em dólar. Em junho de
2015, a empresa captou US$ 2,5 bilhões em notas globais com prazo de 100 anos
no mercado internacional. Esse papéis saíram com um rendimento para o
investidor de 8,45% ao ano e um cupom de 6,85% ao ano. Registre-se que a
demanda pelos títulos chegou a US$ 13 bilhões, o que indica que o rendimento poderia
ter sido até menor. Também é importante notar que a taxa interna de retorno dos
projetos de exploração e produção da Petrobrás é de cerca de 25%, algo que
justifica plenamente a tomada de dívida para investimentos.
A Petrobrás
foi e continua sendo a empresa mais lucrativa do Brasil. Assim, não fazem
sentido as alegações dos dois "especialistas" segundo as quais a
empresa só não entrou em recuperação judicial porque tem o governo brasileiro
por trás; ou, ainda, que se fosse privada teria falido. De fato, de 2006 a 2013
os lucros médios da Vale e da Petrobrás foram, respectivamente, de R$ 17,9
bilhões e R$ 27,8 bilhões, com ampla vantagem para a Petrobrás. Além disso, no
ano de 2015, a empresa conquistou o mais importante prêmio internacional na área
da indústria petrolífera mundial.
Portanto,
confundir a Petrobrás com os bandidos que ocuparam parte de sua governança por
um tempo, suscitando a investigação-espetáculo da Lava Jato que a fragilizou
sem necessidade, é um insulto à inteligência do povo brasileiro que não pode se
deixar manipular pelos oportunistas, internos e externos, que querem
assaltá-la, assim como às reservas de petróleo do Brasil, cobiçadas
mundialmente. As alternativas de engavetamento do pré-sal e da venda de ativos
citadas pelos dois "especialistas" para contornar a crise
circunstancial da empresa são meros pretextos para a entrega dos recursos
naturais do país a empresas estrangeiras.
Certo, a
Petrobrás passa por uma crise, mas ela não se deve primariamente a suas
condições econômicas. É uma crise de liquidez, que se resolve com relativa
facilidade. Isso pode ser feito, por exemplo, dentro das linhas do projeto
Requião sobre a reestruturação do setor petróleo, que está sendo relatado no
Senado pelo senador Marcelo Crivella. De acordo com esse projeto, o Tesouro,
repetindo um expediente adotado em 2009 e 1010, injetaria na Petrobrás os
recursos necessários para que volte ao nível de investimento em outubro de
2014. Outra alternativa seria recorrer ao Banco dos BRICS ou, mesmo, a um
empréstimo direto da China. Em qualquer hipótese, será necessário uma faxina em
regra na governança da Petrobrás.
Recorde-se
que quando o Primeiro Ministro chinês, Li Keqiang, esteve recentemente no
Brasil foi anunciado que a China disponibilizaria uma linha de crédito para o
país, através da Caixa Econômica Federal, de US$ 50 bilhões de dólares. Acho
que o Governo, mergulhado na crise política, esqueceu-se desse dinheiro, não
tendo proposto, que eu saiba, um único projeto para mobilizá-lo. Creio que não
há hora mais apropriada para direcioná-lo para a Petrobrás a fim de que ela
recupere sua capacidade de investimento e irrigue financeiramente a cadeia
produtiva do petróleo, salvando nesse mesmo movimento os fornecedores, as construtoras
contratadas e as prefeituras das áreas petrolíferas que estão quebrando Brasil
afora.
(***) FONTE: Conexão
Jornalismo
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