Identidade
musical deixou de ser apenas estilo de algum artista da música para englobar
também uma ferramenta de marketing, um mecanismo para aguçar o sensorial e
deixar o cliente identificado com determinada marca. Ou seja: um rótulo
definido ajuda ao “cliente” a identificar o produto.
Chato demais
usar introdução teórica-marqueteira para comentar um álbum de música, como se
artista produzisse com o mero fim do mercado e não da arte. Mas ambos, mercado
e arte, caminham na mesma estrada, embora nem sempre na mesma direção. E
acredito ser importante a identidade do artista.
Mas alguns
poucos possuem o dom da identidade sem ficar presos a estilo. Tim Maia é o rei
do soul mesmo tendo cantado forró, baladas românticas e xote. Os exemplos são
muitos. Outros fazem questão de se manterem fiéis ao gênero, mesmo sem espaço
na mídia. Caso de Gerson King Combo, para citar outro exemplo da soul music.
O caso da potiguaríssima
Khrystal integra esse hall de exceções. Seu terceiro e novo álbum “Não Deixe
Pra Amanhã o que Você Pode Deixar Pra Lá” traz um mix de arranjos e gêneros
musicais sem perder a identidade já marcada nos dois primeiros discos: Coisa de
Preto (2007) e Dois Tempos (2012).
deixaApós
três álbuns de tempos tão espaçados, portanto, após tantas vivências e
amadurecimentos musicais, pode-se afirmar: embora Khrystal seja múltipla está
presa à sua identidade regionalista. Está em seu timbre, nos arranjos, no
biótipo físico de morenice e cabelos cacheados, no gingado no palco e,
principalmente, nas suas composições.
Tenho os
outros dois discos físicos de Khrystal em casa e baixei este novo pela net faz
dois dias. E o achei mais vibrante que os primeiros, tanto nos arranjos
elaborados por tanta gente boa, quanto nas letras. Basta lembrar das próprias
faixas-título ‘Coisa de Preto’ e ‘Dois Tempos’, que trazem alguns lamentos.
O “Não Deixe
Pra Amanhã…” tem algo de positivo, de quem está de bem consigo. A primeira
faixa ‘Amaralo, verde e branco’ é emblemática. Não só ao soltar sua
potiguarânea com tantas referências locais, mas também por uma vibração
contagiante, que chama para o batuque do povo, que chama para “edificar”.
A segunda
canção segue o ritmo e o título já diz: ‘Que belê’, com os metais carregados e
um suingue guitarrístico arretado na pisada da gíria positive vibration. Em
‘Lamparina acesa’ um alerta a se manter vigilante às negatividades e abraçar o
lado bom da vida. Um belo xotezinho que diminui a pegada das duas primeiras
faixas.
‘Meu lugar’
é quase uma ode às tradições nordestinas e a canção que menos gostei entre as
12 faixas do disco, mas ainda assim com um arranjo caprichadíssimo. ‘Morô’
adentra o campo mais jazzístico, e mesmo no cosmopolitismo do ritmo, tem “cabra
de peste”, “jangada” e “arenga”. Essa é Khrystal!
A quase
faixa-título ‘Não deixe pra amanhã’ passa a mensagem otimista recorrente do
álbum. É assim também em ‘Bouquet’, com bela letra repleta de metáforas e
referências regionais. Em ‘Zambê’, nenhum batuque e Cleudo Freire e seu zambê
crossover que me explique esse modernismo todo, mas a pegada rítmica traz
semelhanças.
A percussão
aparece mesmo em ‘Cangaceiros de Iemanjá’, que traz algo também de cirandas, de
cantigas de roda, mas como todo o disco, com arranjos muito modernos e bem
produzidos. ‘Executivo do pandeiro’ é uma miscigenação de gêneros: batida soul,
pegada funk e sanfona. É das melodias mais legais do álbum.
Khrystal
persegue cada nota musical na quase instrumental ‘Não diga mais nada hoje’,
apenas com um “pararumdumrararareiá”. E para finalizar, a doce ‘Visse’. Talvez
seja minha predileção pelas baladinhas e essa última canção foi minha
preferida. Só voz, violão e um contrabaixo bem encaixado para formar um xotezinho
acústico muito bacana.
Disco
virtual e não achei a autoria de cada canção. Pela que net vi há parcerias com
Thais Gullin, Tatiana Cobbett, Paulo de Oliveira e Jubileu Filho. Salvo engano,
todas inéditas. E ainda participações de Roberto Taufic nos violões, Gilberto
Cabral, Antônio de Pádua e Eugênio Graça nos metais, Eduardo Taufic nos Pianos,
Lucy Alves no Acordeon e do histórico Quinteto da Paraíba nas cordas.
Pelo time e
pela capa estupenda com foto de Felipe Campos / Som sem Plugs e arte gráfica de
Fabrício Cavalcante, se percebe um disco cuidadoso nos diversos aspectos que o
compõe. Um álbum regional-futurista, que traz um casamento perfeito entre a
identidade regional de Khrystal a arranjos modernos. Não há nada cru: nem
letras, nem melodias e nem arranjos.
Não percebi
refrãos tão fortes quanto algumas do Coisa de Preto, a exemplo de ‘www.sem’ ou
da própria faixa-título, ou do Dois Tempos, como ‘Na lama, na lapa’ e ‘Zona
norte, zona sul’. Mas mostra canções amadurecidas, melhor produzidas e, principalmente,
mostra um caminho mais maleável à criatividade da artista, sem perder a
identidade, a marca de uma cantora versátil, arretada de boa e sem muito tempo
para ser estrela.
(*) FONTE: Substantivo Plural
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